quarta-feira, 8 de abril de 2009

Trem



Em janeiro passei alguns dias a trabalho em Hamburgo. Alemanha gelada, pessoas não tão geladas assim.
A grande graça da cidade é ve-la de cima, da agência onde trabalhei. Eles se orgulham da vista (que por sinal é sensacional) na qual se pode ver o maior porto da Alemanha. O melhor de tudo é realmente ver a cidade de cima, de um ambiente quente, com calefação e cafezinho fervendo. Que desespero tentar fumar um cigarro na rua e dar uma volta na quadra. Eu e meus companheiros nos mantivemos em silêncio enquanto andávamos, porque falar nem pensar, rir então nem se fala. Aliás, rir do que, se dói de frio?
Decidimos passar um maravilhoso final de semana em Berlin, apesar do frio, mas que não fazia a menor diferença considerando a cidade. Uma horinha e meia de trem e tudo (supostamente) resolvido. Trajeto tranquilito separando o trabalho da diversão.
Quinze minutos no primeiro vagão e tivemos a sensação de termos passado por cima de um tronco. Eu mal senti, afinal estava dormindo enquanto nevava lá fora. Olho pra minha querida amiga ex-japa (ela deixou de ser naquele momento) e seus olhos pareciam os do Cebolinha. O maquinista explicou o que tinha ocorrido, em alemão. Não entendemos, mas vimos que a reação foi um 'aaahh', e todos voltaram para os seus livros e revistas. Dava pra pensar realmente que havíamos atropelado um tronco, mas não era. Havíamos acabado de passar por cima de uma mulher, que se suicidou. Aliás, coisa fácil de acontecer com aquela paisagem. Milhares de árvores plantadas, neve até os joelhos, o trilho e ponto. Ficamos ali parados, em cima da criatura, por cinco horas enquanto o resgate tirava pedaços e pedaços. Afinal o trem tinha que andar e não era possivel levantá-lo para agilizar tudo. Pra nós, brasileiros felizes, vindos de um verão delicioso e as vésperas do carnaval, aquilo era realmente surreal. Mas pra eles não, ninguém pareceu comentar muito assunto ou se chocar com o tal suicidio. Nós tres, acabamos passando todo o restante do nosso tempo na Alemanha voltando sem querer no fato e falando de assuntos conectados a ele.Os alemães realmente não nos pareceram frios, e nem dá pra julgar. Mas o louco é pensar que a realidade do frio e da paisagem gelada possam levar pessoas a considerarem normal que suicidios aconteçam no inverno. É facil pensar nisso quando estamos aqui no Brasil e falamos sobre a Finlândia. Outra coisa é estar lá e viver um fato como este. Engraçado o orgulho da paisagem de uma janela do trigésimo andar, outra coisa é vive-la e depender dela pra ser mais ou menos feliz. Parece que menos felizes e mais chocados ficaram os passageiros do trem ao verem que depois de três horas parados, começou a faltar sanduiches e água.

2 comentários:

  1. Essa felicidade é relativa entre culturas. Nós vivemos sem o frio torrencial, sem esse desmatamento cultural entre países, porém os comportamentos são extremamente relativos. Aqui no Brasil é muito fácil notar a percepção de vida do brasileiro, não nos assustamos mais com o sensacionalismo no jornal muito menos na TV. Vemos pais jogando crianças pela janela, crianças iniciando incêndios em favelas e SÓ isso não nos surpreende mais. Ai nós perguntamos, quem realmente é frio NÓS ou eles?

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  2. Nossa Mimo, mandou bem, hein?
    Tens razão, acho que a gente acostuma mesmo a ter ou não reações de acordo com a nossa realidade. Mas ainda acho que apesar de tudo, a gente ainda se impressiona e reage sim. nem que seja falando no assunto ou ficando boquiabertos por um tempo.
    Mas sinceramente, muito bom ponto. Se julgamentos...
    bjo,
    Leti

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